29 abril 2008

Selecções Femininas – parte IV


Conversar, um hábito que se vai perdendo…

"Neste nosso mundo em constante progresso, agitado por invenções extraordinárias e por novas formas de distracção e comunicação, vai-se perdendo, pouco a pouco, o hábito de conversar.
A mais antiga forma de entendimento entre os homens, a conversação, vai ficando suplantada por outras distracções e formas de contacto com o mundo. Senão vejamos. O tempo de que, normalmente se dispõe entre as obrigações escolares, domésticas ou profissionais mal chega para se tomar conhecimento do que dizem os jornais, para se apreciar um filme ou uma peça teatral, ouvir um concerto ou ver os programas da televisão.
A Televisão e a Rádio são distracções que nos entram pela porta dentro, violando a intimidade da nossa casa, trazendo todos os espectáculos ao domicílio, os desejados e os não desejados. Uns e outros acabam por se transformar num hábito que, de repente, se verifica estar a ocupar um lugar demasiado importante na vida de cada um.
A conversa entre amigos ou família vai caindo em desuso. Os antigos serões familiares eram propícios à troca de impressões. As pessoas, para preencher o serão, habituavam-se a narrar os acontecimentos que houvessem presenciado, alguma história que tivesse ouvido.
Nos temos que vão correndo, os membros da família reúnem-se ao fim do dia de trabalho, cada um isolado em si próprio, a maior parte das vezes com os olhos fixos no televisor ou entrincheirado por detrás de um jornal. O ambiente ruidoso não é favorável, e qualquer conversa que se inicie finda ao cabo de alguns minutos. Assim se perdendo o hábito de procurar transmitir aos outros, oralmente, as nossas ideias, o nosso sentir, os acontecimentos do nosso dia-a-dia. São estranhas, umas ás outras, pessoas que vivem diariamente, porque há um mundo de coisas que não foram ditas.
Principalmente as crianças necessitam de exteriorizar, pela palavra, o seu estado de alma, de comunicar os acontecimentos importantes do seu dia, de contar o que aprenderam, o que descobriram. Os pais devem dar-lhes atenção, ouvir, esclarecer e não despachá-los, secamente, para mais depressa voltarem às suas distracções.
Deve ser a dona de casa a encarregar-se de preparar um ambiente propício à troca de ideias, aproveitando para isso, pelo menos, a hora das refeições, tendo o cuidado de evitar que qualquer membro da família ligue a televisão ou o rádio e proibindo, à mesa, a leitura de livros ou jornais.
É de lamentar, por exemplo, a predilecção pelo cinema, demonstrada pelos jovens pares de namorados. Num período da vida onde o interesse principal devia ser o conhecimento recíproco, vemo-los frequentar assiduamente á sessões de cinema, escolhendo um ambiente que, convenhamos, não é dos mais próprios para o estabelecimento de um diálogo construtivo que leve a uma maior conhecimento das qualidades, gostos e aspirações de cada um.
Para receber em casa pessoas amigas, quase parecer ter-se tornando obrigatório haver uma festa ou celebração de qualquer espécie, o que implica muita gente, muito trabalho e muito trabalho para a dona de casa. Principalmente a gente nova aproveita qualquer pretexto para uma reunião, mas ela tem de ser obrigatoriamente, ruidosa. O «pick-up» e os discos são indispensáveis, a não ser que quando estes são suplantados por algum grupo juvenil que, com alguns instrumentos (nos quais se inclui sempre uma bateria) se encarrega de ensurdecer toda a gente. A conversação nestes ambientes limita-se ao mínimo e às simples banalidades. É impossível desenvolver um assunto interessante, com princípio, meio e fim, entre duas danças, dois encontrões, um copo de uísque e uma sanduíche.
Devia criar-se o hábito, mesmo entre os jovens, de reuniões simples, com alguns amigos apenas, tendo como finalidade a troca de ideias, opiniões, até mesmo a discussão de certos assuntos que interessam muito particularmente aos jovens, discussão que poderia ajudar a ver mais claramente certos aspectos do mundo que os rodeia. Não seria difícil manter o interesse destas reuniões, já que, como diz a sabedoria popular, as ideias são como as cerejas, vêm umas atrás das outras. Cada um se enriqueceria com a experiência dos seus amigos, todos ficariam a conhecer-se melhor e os donos da casa poderiam dar mais atenção aos seus convidados.
Transmitir, é o anseio mais premente do homem. Transmitir aquilo que é, aquilo que sabe, aquilo que o seu pensamento elaborou. E, no entanto, nunca consegue realizar esse
Anseio na totalidade. O homem é um ser misterioso que, verdadeiramente, nem se conhece a si mesmo e cuja comunicação aos outros è extremamente difícil e sempre incompleta. Contudo, na medida em que ela for possível, deve ser procurada para que não nos sintamos isolados, incomunicáveis, cercados pelo silêncio."

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Ironicamente, palavras para quê?

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