21 agosto 2008

Vida Mundial no W.C - parte II






Após a publicação do primeiro Post acerca de Charles Chaplin, segue-se uma transcrição retirada do número 1604, datada em 6-3-1970. O seu título principal é: "Banda desenhada: O direito de sonhar" e como "Estudo da Semana", proponho-me a transcrever alguns excertos de importância maior, reflectidos por Vasco Gama.

Direito de sonhar aos quadradinhos!

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"Com grande desepero dos detractores das bandas desenhadas, esta forma de arte e meio de comunicação desfruta de um público cada vez mais numeroso e eclético, um público que não esquece uma das mais belas qualidades humanas - o direito de sonhar.
Este público que lê apaixonadamente as histórias de quadradinhos recruta-se em todos os sectores da sociedade. O leitor pouco ou nada exigente pode ler Mandrake ou Flash Gordon com o mesmo prazer que na sua leitura encontra um leitor sofisticado. (...)
Com frequência se aponta o facto de que as histórias em quadradinhos se trata de uma forma de literatura de evasão, destinada a um vasto público subdesenvolvido. O desdém com que este tipo de comunicação de massas é encarado por alguns literatos só tem paralelo na incoerência com que se aponta a obra de Fenimore Cooper ou Júlio Verne como intrínsecamente destinada a crianças. Provavelmente é ao público infantil e juvenil que se deve a sobrevivência destas obras que muitos adultos são incapazes de aceitar, desconhecendo as virtudes terapêuticas de heróis tão positivos (...).
A importância da figuração narrativa
O mal de muita gente que condena a banda desenhada é não ter ainda compreendido que as histórias em quadradinhos se dirigem a um público de gente nova e a um público de gente adulta, mas nem sempre se dirigem indiscriminadamente a estes dois grupos distintos.
Com efeitos, há bandas desenhadas que convêm a crianças e a jovens (Mickey, Popeye, Flash Gordon, Astérix, Mandrake, Tarzan ou Príncipe Valente) e outos que se destinam a adultos (Barbarella, Jodelle, Peanuts, Pogo ou Little Annie Fanny).
No que se refere à atracção exercida pelas histórias em quadradinhos junto de milhões de leitores, tal facto explica-se facilmente pelo fascínio que a imagem desempenha devido ao seu elevado poder comunicativo.
A exemplo do cinema, da televisão e da fotografia, a banda dessenhada possui uma riqueza expressiva que ajuda a compreender melhor o mundo em que a criança e o jovem vivem. Negar esta evidência é fechar os olhos deliberadamente às infinitas possibilidades didácticas que os meios audiovisuais colocam à nossa disposição.
A figuração narrativa é um meio de comunicação e de educação que o ensino moderno não ignora. Vivemos num mundo dominado pela imagem e é através dela que se regula uma parte considerável da vida humana neste período decisivo da história que se convencionou denominar de civilização de consumo. Que impacto teria a recente viagem à Luz se milhões de escpectadores não a tivessesm presenciado pela televisão? Que seria a existência de milhares de jornais e revistas de todo o mundo se não recorressem à ilustração? E isto, para não falar do cinema, cujo princípio básico assenta na sucessão rítmica de imagens. (...)

Os adultos perante a banda desenhada
Quem são os adultos que se interessam pela banda desenhada?
Há dois grandes grupos: os detractores, que nela vêem uma ameaça à cultura e temem a sua expansão (têm razão para isso: Astérix le Légionnaire, teve tiragem de 1 500 000 exemplares; alguns desses detractores mal conseguem vender umas escassas centenas de exemplares das suas obras), receando que a subversão arraste consigo os valores consagrados daquilo que entendem ser a cultura; e os amadores, ou seja, aqueles que voltaram a descobrir as leituras favoritas da infância e da adolescência coleccionando as histórias há longo tempo esgotadas e fazendo a fortuna das editoras que reeditam os autores clássicos. (...)
Aos partidários do realismo custa a admitir os aspectos fantásticos da banda desenhada. Impossível se torna para eles aceitar as conveções do mundo criado por Lee fal em Mandrake ou de Clarence Gray em Brick Bradford. Para eles só conta a descrição do mundo real, sem permitir qualquer incursão dos domínios do maravilhoso e da imaginação, procurando assim ignorar que a vida do homem é partilhada entre o sonho e a realidade, sendo por vezes difícl delimitar fronteiras que separam os dois domínios. (...)

Situação da banda desenhada
Os autores de bandas desenhadas (...) têm uma vantagem espantosa sobre os outros escritores: não se preocupam com a crítica , com outros grupos literários, com a Cultura, escrita com letra maiúscula, aquela que se encontra ligada a uma realidade sociológica, com um micromeio. Escrevem diretamente, com liberdade completa, para o grande público lê-los com a mesma liberdade, sem se preocupar em melhorar o seu património espiritual, para o seu prazer em suma.
No fundo, a questão resume-se a uma escolha. É necessário saber quais as bandas desenhadas que interessam. E isto é o que se passa com o cinema, com a literatura ou com o teatro.
Antes de tomar uma posição contra a banda desenhada afigura-se-nos ser conviniente analisá-la sob os diferentes aspectos em que nos surge - como criação artística, como fenómeno sociológico e como puro divertimento. Será necessário tomar em consideração que a banda desenhada informa, divulga, diverte e critica, fazendo sentir a sua acção diariamente sobre milhões de leitores de uma grande parte do mundo.
De qualquer modo, a banda desenhada é uma forma de arte que revela uma extraordinária vitalidade e como tal, merecedora de ser conhecida. (...)"

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