Tal como apresentado no último post, irei dar iníco à transcrição de alguns temas retirados da revista Vida Mundial.
Para tal, basei-me numa ordem cronológica, desde a mais antiga (1969) até à mais recente (1977).
O número 1555 de 28 de Março de 1969 apresenta na capa Charles Chaplin, com o título "Viva Chaplin" e é exactamente sobre este grande artista que irei transcrever, não integralmente, por ser demasiado vasto, mas partes que considero importantes.
Apesar de já ter demonstrado o meu enorme agrado por este senhor "mudo", num post anterior - dedicado ao Dia do Trabalhor - nunca é demais, relembrar pessoas que partem à defesa do Homem, o direito simples à alegria, aos sonhos, à verdadeira respiração da vida. Pessoas que como ele, acreditam nos sonhos e no amor.
Assim, na rubrica "Um perfil e uma obra", Charles Chaplin e a sua carreira são descritos intensamente, passando por títulos como "O Homem", "À conquista da América", "Hollywood contra Chaplin", "A morte de Charlot?" e ainda nos apresenta a filmografia essencial de Chaplin.
Porque apesar de mudo, Chaplin manifestou-se como ninguém!
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"De um bairro pobre de Londres saiu um génio
Foi no bairro sombrio e pobre de Brixton, nos arrabaldes de Londres, que nasceu Charles Spencer Chaplin, a 16 de Abril de 1889. Sob diminuitivos diversos - Charlie, Charlot, Carlitos, Carlino, etc. - o mundo irá adorar esta criança quando homem e artista.
A infância de Charelie foi difícil, infeliz mesmo, como seria de esperar dadas as precárias condições económicas da família. O pai era cantor de variedades, a mãe actriz de teatro ligeiro. Havia ainda um meio-irmão mais velho, Sidney.
Aos 5 anos, já o pequeno Charlie aparecia em cena, ao lado do pai, cantando num café-concerto de Londres. Poucos meses mais tarde, vitimado pelos efeitos do alcoolismo, morre-lhe o pai. Os anos seguintes foram anos de miséria. Hannah, a mãe adoece. A família muda-se para uma ruela sórdida do bairro Lambeth.
«Vivíamos num quarto miserável - contava mais tarde Sidney - e geralmente não tínhamos que comer. Nem Charlie nem eu tínhamos sapatos. Ainda bem lembro de como a nossa mãe tirava os dela para um de nós ir à "sopa dos pobres", buscar a única refeição do dia (...). Houve outras ocasiões em que Charlie e eu ficávamos sós, quando a nossa mãe, doente, era levada para o hospital. Mais de uma vez dormimos na rua. Fomos também presos como vagabundos. Ganhávamos a vida o melhor que podíamos. Muitas vezes, fomos aos mercados apanhar fruta estragada, que constituía então o nosso único alimento»
Graças a um antigo colega do pai, Charlie consegue um lugar num grupo de dançarinos (os Eight Lancashire Lads). O século XIX está a chegar ao fim e o pequeno Charlie, com 10 anos apenas, encontra-se já metido no mundo do espectáculo, ainda que tenha entrado pela porta das traseiras.
Entretanto, Hannan faz com que os seus dois filhos estudem, coisa que praticamente não tinham ainda feito. (...) Sidney embarcará para África e Charlie, esse estudará durante uns dois anos. Uma tarde, ao regressar a casa, encontrará o quarto vazio. Mais uma vez, a mãe fora para o hospital. Mais uma vez só. Charlie, com 11 anos, tem de abrir bem os olhos e seguir em frente. Dança nas ruas, trabalha como aprendiz num barbeiro.
Regressado de África com algum dinheiro, em Outubro de 1901, Sidney dispõ-se a financiar uma "digressão" de Charlie. Até 1907, seguir-se-á uma série de pequenos papéis em pequenos teatros.
Havia então na Inglaterra uma famosa companhia - a de Fred Karno - de pantominas. Charlie iniciou então uma fase decisiva da sua carreira artística: abria-se-lhe o caminho para a América. Numa das digressões, Charlie irá a Paris em 1909 (...).
A conquista da América
Em 1910, surge a grande oportunidade. O representante de Fred Karno nos Estados Unidos pediu um actor capaz de preencher uma vaga (...) coube a sorte a Charlie.
Estreia-se em Nova Iorque, aí interpretando numerosas pantominas. Segue-se uma longa digressão, que abrange o Canadá e termina em Londres na Primavera de 1912.
A 2 de Janeiro de 1914, Charlie assina o seu primeiro contrato de cinema, válido por um ano.
«Making a living» será o seu primeiro filme, realizado por Henry Lehrman. Interpretará 35 filmes para a companhia Keystone. A partir do vigéssimo filme, "Charlot Dentista", a realização passa a caber praticamente sempre a Charlie, tal como os argumentos.
Em 1915, fecha contrato com a Essanay, realizando e interpretando 16 filmes. (...) Chaplin torna-se vedeta disputada pelos produtores. (...)
Realizará e interpretará 12 filmes para a Mutual. Charlie é senhor quase absoluto dos seus filmes, tendo a seu cargo os argumentos, a realização, a escolha dos actores e dos técnicos, assim como a própria organização do estúdio. (...) Chaplin liga-se à First National, que lhe assegurava a quantia de 1 075 000 dólares pela produção de 8 filmes, com a vantagem de ficar com a posse desses filmes. Chaplin era reconhecido como produtor de cinema. Fundou a Chas Chaplin Film Company e mandou construir um estúdio em Hollywood.
Os primeiros ataques
Após a entrada dos Estados Unidos na primeira guerra mundial, em 1917, certa imprensa americana manifestou-se violentamente contra Chaplin, pelo facto de ele não se ter naturalizado americano apesar de viver nos Estados Unidos desde 1912, e também por não se ter alistado como voluntário para combater na Europa.
Os motivos invocados não eram mais do que primários recursos numa tentativa de amesquinhar uma figura que gozava já de enorme prestígio internacional e incomodava cetros sectores, que se sentiam atingidos pela maneira frontal como o artista atacava todo o conjunto de convenções e hipocrisias morais e sociais através dos seus filmes. No entanto, era particularmente difícil, melindroso inclusive, esmagar Chaplin.
De qualquer modo, Chaplin submeteu-se a um exame médico, que o considerou inapto para o serviço militar.
A 21 de Janeiro de 1918, inaugura o seu estúdio. Aí filmará e interpretará obras como "Uma Vida de Cão" e "Charlot nas Trincheiras", ainda em 1918. No decurso dos trabalhos deste filme, conhece a actriz Mildred Harris, de 17 anos, por quem se apaixona. Casam em 23 de Outubro.
Nasce a United Artists
Quatro grandes figuras da época pioneira do cinema americano - David W. Griffith, Mary Pickford, Douglas fairbanchs e Charles Chaplin - fundaram, em associação com o senador William Mac Adoo, uma companhia produtora de filmes, inicialmente chamada The Bib Four (Os Quatro Grandes), depois designada por United Artists. (...)
Entretanto, em Julho de 1919, nasceu o único filho do casamento de Chaplin com Mildred Harris. A criança, porém, morreu ao terceiro dia. Este casamento, por sua vez, dissolver-se-á ano e meio depois.
Nos princípios de 1922, começa a sua actividade para a United Artists com "Opinião Pública", único dos seus filmes em que não intervém como actor. Em Beverley Hills (Hollywood) manda construir uma casa de 40 divisões e com cinema privativo. Nela viverá 30 anos. (...)
Entretanto, casa-se com Lita Grey. O primeiro filho de ambos - Charles Chaplin Jr. - nasce em Junho de 1925.
No ano seguinte, nasce o segundo filho: Sidney. As relações entre os cônjugues, deteriora-se, verificando-se a separação.
Novos ataques
Em Janeiro de 1927, Lita Grey instaura uma acção de divórcio, reclamando 2 milhões por perdas e danos e 5 pela sua parte nos bens do casal. Segue-se o sequestro da casa e do estúdio de Chaplin. Este tem uma depressão nervosa, refugiando-se em casa do seu advogado.
Alguns setores da opinião pública americana exigem a explusão do artista e a proibição dos seus filmes. Na Europa, encontram-se os mais sinceros e acérrimos defensores de Chaplin.
A revolução do sonoro
No Outono de 1927, regista-se um fenómeno que deixou Chaplin perplexo, assim como outros grandes cineastas. Em Outubro desse ano, foi estreado "The Jazz Singer", primeiro filme sonoro.
Chaplin preparava "Luzes da Cidade", ficando desconcertado com a profunda inovação técnica, o que se torna perfeitamente compreensível. Para Chaplin, o cinema mudo tinha alcançado uma expressividade auto-suficiente, dispensando totalmente a palavra falada. Daí os seus ataques contra o cinema sonoro.
Todavia, Chaplin começou por se aperceber de que esta inovação técnica poderia também ser um meio artístico. Por isso, acabou por incluir em "Luzes da Cidade" um acompanhamento musical, de sua autoria.
Charlot contra o Ditador
Quando em Berlim se soube que Chaplin estava a preparar um filme que, mesmo indirectamente, atacaria a figura de Hitler, começaram as pressões. Primeiro o cônsul em Hollywood, depois o embaixador da Alemanha nazi em Wahington, tentaram tudo para que tal filme nunca fosse realizado.
Chaplin resistiu a todas as pressões, mesmo às provenientes dos capitais americanos com interesses na Alemanha de Hitler. As filmagens começaram exactamente oito dias após a eclosão da segunda guerra mundial, mas sofreram diversas interrupções, em consequência dos ataques que eram dirigidos a Chaplin (...).
De qualquer modo, ofilme foi realizado. A 15 de Outubro de 1940, estreia-se o "Ditador". Nas legendas de abertura, lia-se: "Toda a semelhança entre o barbeiro judeu e o ditador Hynkel é pura coincidência". Nenhum filme ocidental, em plena guerra, foi tão longe nos seus ataques a Hitler e a Mussolini.
Com base numa ideia de Orson Welles, Chaplin começa a prepara em 1943 o seu novo filme: "O Barba Azul". Entretanto, aos 56 abos, trava conhecimento com Oonsa O'Neill, filha do dramaturgo americano Eugene O'Neill. Oona tem então 18 anos. Casam em 16 de Junho. (...)
Geraldine, que será mais tardde actriz de cinema, nasce em Outubro de 1944. É o primeiro filho de uma série de seis filhos do casal Charles- Oona.
Ainda em 1944, efectua-se em Moscovo uma homenagem a Chaplin. Projectam-se alguns dos seus filmes de Pera Atacheva, mulher de Eisentein, organiza uma exposição sobre a obra do artista.
Hollywood contra Chaplin
Só em 1946 é que se fazem as filmagens de "OBarba Azul", estreando em Abril de 1947. Foi muito mal recebido pela imprensa americana, o que já se tornava hábito. (...) Em Junho de 1947, o deputado John Rankin pede a explusão do autor de "Ditador", assim como a proibição dos seus filmes. Semelhnate pedido já não era inédito. (...) Por diversas vezes, Chaplin é posto em causa. Nalguns Estados norte-americanos "O Barba Azul" é proibido. (...) Em Dezembro, Chaplin publica em Londres um artigo com o título de "Declaro Guerra a Hollywood".
No ano seguinte, a Associação francesa da Crítica de cin4ema propõe Chaplin para o Prémio Nobel da paz. Convocado, em 1949, pela Comissão de Actividaees Antiamericanas, responde por telegrama: "Se querem saber quem sou, posso dizêlo: sou um fautor de paz!"
Até 1952, ocupar-se-á com os trabalhos preliminares, e a realização de "Luzes da Ribalta". Uma vez terminado o filme, prepara-se para nova viagem à Europa, desta vez com a decisão de não regressar aos Estados Unidos. (...)
A 23 de Setembro, chega a Londres, sendo acolhido triunfalmente. "Luzes da Ribalta" é estreado aí em Outubro. Ainda em Outubro, vai a Paris assistir à estreia do mesmo filme. Durante a estadia na capital francesa, encontra-se com Picasso, Aragon e outros. Em Dezembro, desloca-se a Roma, contactando com Zavattini, De Sica, Visconti e Rossellini.
Oona Chaplin vai aos Estados Unidos, nos princípios de 1953, para participar como representante do marido na reunião do conselho de administração da United Artists e liquidar os respectivos bens nesse país. Em 16 de Abril, Chaplin anuncia (...) a sua intenção de não voltar aos Estados Unidos.
Entre 1958 e 1964, trabalha na redacção das suas memórias. (...)
O nascimento de Charlot
Fazer rir para além das gargalhadas e comover para além das lágrimas - esta a síntese magistral alcançada gradualmente por Chaplin.
Charlot e a solidão, Charlot e as injustiças sociais, Charlot e a ausência de humanismo. Charlot - palhaço sempre Charlot-home. (...)
Universalização de Charlot
O cómico e o trágico acotovelam-se, opõem-se, negam-se, completamente numa perfeita unidade dialéctica. Daí a grandeza humana de Charlot, daí a grandeza artística de Chaplin.
"O Peregrino" será uma nova sátira, a mais violenta após "Charlot nas Trincheiras", desta vez dirigida contra a hipocrisia religiosa. E com ele encerra-se um ciclo na obra de Chaplin. Daqui em diante aparecerão as obras de grande fôlego. (...)
A crítica dos tempos modernos
Surprendido pelo advento do sonoro em plena realização de "luzes da Cidade", Chaplin não esocndeu o seu embaraço e a sua oposição atal inovação, que a princípio se limitava a ser de cáracter técnico. Mas acabou por aceitá-la. (...)
Houve quem interpretasse "tempos Modernos" como uma denúncia do progresso, da industrialização. Chaplin nunca foi antiprogressivo, antes pelo contrário. O que o filme ataca, e de modo tão inequívoco como frontal, é a mistificação do progresso, a escravização e a alienação do homem moderno disfarçadas de mecanização ou industrialização. É isso que Chaplin ataca, é contra isso que Charlot se revolta. É a isso que Chaplin - Charlot opõe o poder da poesia, do amor, do humanismo, do riso.
A morte de Charlot?
Diz-se que o Charlot morreu em "O Ditador". Será mais correcto afirmar-se que se estratificou, que se fixou para sempre na incomensurável galeria das grandes criações do espírito humano. Charlot desaparecerá dos futros filmes de Chaplin, é certo. Desaparecerá a crição mas permanecerá o criador. (...)
"O Ditador" representa, para além das gargalhadas, o ataque mais violento desferido por um artista contra a máquina infernal que o nazismo acabava de pôr em marcha. Ainda para além das gargalhadas, sempre sensível no filme o humanismo de Chaplin-Charlot, culminando no inesquecível discurso final, um autêntico "apelo aos homens", à razão.
A partir de "O Barba Azul", novo ciclo se abre: Chaplin sem Charlot. è uma das obras mais amargas, e simultâneamente mais lúcidas, de Chaplin.
A decadência de Chaplin
Todos os artistas que percorrem uma longa curva evoluitva desembocam quase fatalmente na sua zona de decadência. Chaplin não costitui excepção.
"Um Rei em Nova Iorque" aponta já tal decadência. Sente-se um certo desnorteamento por parte de Chaplin perante a evolução do cinema geral e do filme cómico em particular. (...) Não significa que isto que a obra seja verdadeiramente falhada. A questão é que lhe falta unidade, não atingindo a força de ataque requerida pelo próprio tema. (...) todavia, a linha geral do filme é débil, não está à altura das grandes obras de Chaplin.
Esta involução artística do genial cineasta manifesta-se mais claramente em "A Condessa de Hong-Kong". (...) Filme desnecessário? Talvez não. Em Chaplin, é decepcionante. Seria aceitável noutro artista, mas Chaplin habituou-nos a obras de primeira grandeza, fez do génio uma regra.
No 75º aniversário
Que no 75º aniversário de existência um artista se mantenha lúcido e jovem é fenómeno digno de admiração. Chaplin merece amplamente todas as homenagens - pela sua estatura de artista e de homem, pelo seu inconformismo, pelo humanismo real que ressalta da sua vasta e multifacética obra. Aqui fica esta despretensiosa homenagem"
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